Orgulho e preconceito e nós duas
- A.C S.M
- 23 de mai.
- 4 min de leitura
Cá estou eu com mais uma resenha inédita, um tanto quanto atrasada, diga-se de passagem, mas o que posso fazer? Sou cronicamente off-line e atrasada nas tendências, por esse e outros motivos trouxe nossa digníssima Rachael Lippincott!
Nossa querida loira lésbica preenche minha estante desde meu início nessa jornada como leitora e, diga-se de passagem, é difícil superar a leveza que a escrita dela me trás.
Bem que a Bienal podia convidar ela de novo, não é? Um sonho impossível.
E, nada melhor para introduzir essa aventura do que a trilha sonora do ogro mais amado do pantano! Sério, parece ser loucura, mas pra mim fez todo o sentido perto do final e se encaixou perfeitamente.
Com um pé em perdida e o outro em bridgerton (só que bem mais colorido, até porque nossa autora veste a camisa na hora de um bom sáfico) Orgulho e preconceito e nós duas acompanha a jovem Audrey de dezesseis anos em busca da sua inspiração perdida.
Enquanto ela é ofuscada por um recente término, consideravelmente desestabilizador, se vê de coração partido e na lista de espera exorbitante da sua faculdade de artes dos sonhos. Cansada de correr riscos, Audrey se isola e mantém a rotina na mercearia da família, alternando entre o conforto de seu lar e o balcão frio e rígido da lojinha. Clientes vão e voltam, mas ela permanece lá, esperando.
Esperando o que, exatamente? Seu primeiro amor voltar? O caderno em branco ser tomado por uma nuvem de esboços e traços admiráveis? Bem, basicamente é assim que começa a narrativa.
Não posso dizer que é um romance água com açúcar, mas posso dizer que segue uma linha já conhecida dos clássicos romances que a escritora já trabalhou. O enredo não foge muito do plot duas mocinhas muito diferentes perdidas acabam se encontrando nelas mesmas (nesse caso em particular não apenas as particularidades de cada uma as separam, mas um bom salto temporal de 2023 até 1812)
Faça as contas, caro leitor! 200 anos é coisa pra caramba, mas mesmo assim nada abalou nossa querida protagonista, bom, na medida do possível. Afinal, ela já estava desestruturada e levando sua vida no piloto automático, amando sua cidadezinha e sua família, mas sem aquele mesmo brilho de antes, algo facilmente identificável e que é muito bem trabalhado.
A questão da idade de buscar coisas novas, experiências, aventuras, tudo isso é um combo muito particular da fase dos dezesseis pra cima e não tem uma hora certa para essa sede acabar. No caso de Audrey a fonte esgotou cedo demais e, sem nada para se prender, recebe um presentinho do senhor Montgomery - um cliente fiel e frequente dentro da mercearia que promete ajudá-la.
E, caramba, se o idoso que recebe café de graça e jornal por desconto entrasse na minha loja anunciando que podia mudar minha vida, então por que não?
Enfim, foi lançada a moeda da mudança (literalmente) e Audrey, ao pegá-la, ganhou uma passagem só de ida para Londres, mas uma Londres diferenciada, um pouco mais vitoriana. Saindo da boa e velha Pittsburgh, em uma espécie de de volta pro futuro invertido e com mais babados e chás, Audrey cai no gramado da bela Lucy Sinclair que, cortejada por um homem podre de rico, vê na estranha vestindo roupas esquisitas uma possibilidade. Mínima, inicialmente, mas existente - e, em sua situação, só aquilo bastava
(sinto que eu estou enrolando um pouco, mas talvez seja só meu subconsciente buscando meios de fazer essa resenha render. Caso se incomode, sugiro aumentar o volume da música do Shrek e se deixar levar)
Lucy não era alguém de esperanças, deixou de ser após a morte de sua mãe e agora, entregue nas mãos do homem frio e incontestável que é seu pai, se vê incapaz de sentir qualquer coisa que não seja a necessidade de se esconder. Mantém a postura, os modos, a fachada perdura tanto que acaba virando uma nova Lucy, irreconhecível, mas que aos poucos começa a ressurgir conforme Audrey ganha espaço em sua rotina maçante de sorrisos forçados e biscoitos amanteigados.
É um sopro de ar fresco a maneira que Rachael aborda um tema considerado tão "ultrapassado" ou "simples" como a maturidade (que nem sempre vem com a idade) e coisas como a necessidade de se reencontrar nos lugares mais inusitados, até aquela questão delicada de se "libertar" ou se "descobrir"
Lucy se liberta das amarras impostas por ela mesma, - com uma contribuição refinada do pai, logicamente, - e Audrey, por outro lado, enfim se descobre e percebe que desenhar dependia dela, não do turbilhão de sentimentos que um dia sentiu e tal descoberta é acompanhada dentro dessas duzentas e tantas páginas com uma descrição louvável. Tão fluída que impede o leitor de pausar até pra fazer coisas como fazer xixi.
Acabou rápido, mas a especialidade da autora é nos dar aquela sensação de conforto e conformidade com finais felizes, sem deixar de ignorar os impasses abordados ao longo do trajetória da prota!
Menção honrosa para os capítulos 43 e 47! Não entrarei em detalhes, mas estão favoritados definitivamente. Claro que não mais do que a cena de "I wanna dance with somebody" ecoando pelo celular em plenos 1800, no meio do salão vitoriano com direito a rodopios e piruetas desengonçadas.
Considerações finais, leitura recomendada para quem busca uma boa aventura com uma dose extra de homens coadjuvantes carismáticos! Sério, os possíveis pretendentes de Audrey conseguem ser icônicos em cada curta aparição.
Queria nunca ter descoberto que poderia sentir tanto, pois assim talvez ficasse bem em sentir tão pouco.
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