A verdadeira realeza
- A.C S.M
- 30 de jun.
- 4 min de leitura
Após quase um mês sem atualizar vocês, cá estou eu, trazendo mais uma resenha inédita de um clássico, dessa vez escrito pela ilustre Frances Hodgson (Jardim Secreto)
Não sei se vocês sabem, mas caso tenha alguém novo por aqui, o que me levou a se tornar esse monstrinho devorador de livros foi o quando recebi de presente uma edição pequena de Jardim Secreto, era praticamente de bolso. Bom, corta para uns doze anos depois e esse livrinho tendo um grande papel e influência na minha trajetória como leitora e escritora.
Agora, tomei coragem para ler um romance também muito reconhecido da autora "A Princesinha" que estava perdido pela minha estante por tempo considerável. As vezes é bom limpar a estante e dar uma geral, fiquem a dica!
Sobre a obra, posso afirmar que, se o meu primeiro livro da Frances traçou minha jornada sendo leitora, a princesinha afetou minha vida como ser humano e nessa resenha te digo o porquê.
De início somos apresentados a pequena Sara Crewe que, de imaginação, não tem nada que faça jus ao seu tamanho. Ela é rica, fora trazida da índia e consideravelmente mimada (até porque é mesmo) mas sua situação financeira muda abruptamente quando, após a morte de seu pai, Sara se vê falida e, para piorar, é obrigada a ficar em um internato londrino nas mãos da cruel diretora do colégio.
Posso começar dizendo o quão desestabilizador deve ter sido para Sara perder tudo que ela já amou assim, de uma hora para outra. E, com tudo que já amou, não me refiro ao estilo de vida requintado, mas sim ao pai, com quem apresentou grande afinidade ao decorrer das interações.
Foram poucas as trocas antes do infeliz incidente, o enredo foca bem depois da perda, mesmo assim, pude sentir o carinho e o afeto transbordando da conversa entre os dois. O pai demonstrou se importar muito com Sara e, de coração apertado, ao precisar deixá-la no internato para viajar a trabalho. Ele também a chamava afetuosamente de "senhorinha"
- Está memorizando meu rosto, querida Sara? - perguntou enquanto acariciava os cabelos dela.
- Não, já sei de cor. O papai está dentro do meu coração.
A menina que antes tinha tudo se viu sem nada e, uma garota desafortunada, não tinha valor para Srta. Minchin, tampouco para a maioria de suas colegas que, antes do incidente, já não a viam com bons olhos, apenas interesse. Ao longo do livro Sara passou fome, foi explorada, condenada a tarefas domésticas exaustivas e obrigada a passar frio. Nessas condições nenhuma pessoa sequer é capaz de ter forças para sorrir.
No entanto, nossa protagonista mostra força e perseverança. Sara é uma boa definição de resiliência, até mesmo nos períodos mais críticos de sua estadia desconfortável no internato, ela se mantém firme nos afazeres, de barriga vazia e com um olhar transformador em cima daquela zona cinza, colorindo com pequenos lampejos imaginativos.
A imaginação é a melhor amiga de Sara e grande parte de seus momentos raros de leveza são proporcionados pelo dom de imaginar, ela incentiva sua amiga a fazer o mesmo e até a empregada do quarto ao lado, contagiando com sua visão de mundo peculiar.

Me apaixonei pela forma que o ordinário se molda diante dela, transformando-se sem demora em algo extraordinário. Há inocência em seus pensamentos, mas seu intelecto ou posturas não são nem um pouco ingênuos, ela sabe bem como manter o queixo erguido diante das provocações das colegas e dos maus tratos sofridos pela Srta. Minchin.
Ela amadurece lindamente, mantendo a humildade que cultivava mesmo antes de empobrecer. Ver Sara se desenvolver em meio as adversidades é um tapa na cara com luva, obriga o leitor a parar para refletir e reconhecer o que ele tem e, acima de tudo, dar valor.
Sara dava valor ao seu pai, a sua rotina, a sua boneca, era grata e se portava com muita humildade e respeito e, mesmo depois disso, não permitiu que sua essência fosse perdida. É emocionante vê-la entregar os pães doces que comprou para uma sem teto e, ao mesmo tempo, frustrante para o leitor ler "estou faminta, mas ela tem mais fome do que eu" sabendo que a menina ficara dias sem ter uma refeição decente.
Quase não há momentos em que ela desconta sua mágoa em alguém e, quando acontece, ela fica sentida. Certa vez Sara bate de frente com a Srta. Minchin e diz que até pode pedir desculpas por rir, mas nunca por pensar, se impondo.
Nós temos que apreciar aquilo que é bom em nossas vidas e, em dias de chuva ou tempestade, amar ainda mais os raios de sol que atravessam essas nuvens. Dias ruins são necessários para que dias bons possam valer a pena, mas nenhum dia está perdido, pois sempre há a possibilidade de olharmos pelo lado bom e nos apoiarmos.
Fiquei encantada pela escrita fluída, como o enredo passou como ondas leves e calmas e como deixou uma marca em mim. Nunca passei fome, nunca imaginei como seria perder meus pais assim, somente a ideia mexeu comigo e me desestabilizou. Talvez seja esse um dos pontos cruciais que a narrativa trás.
No fim, ela é acolhida por um amigo de seu pai e ganha parte de seu conforto de volta, mas sem se esquecer do que enfrentou e superou. É assustador entender o quanto uma criancinha pode ensinar sobre coisas consideradas tão mundanas e simples, mas que não são vistas ou permanecem ignoradas.
A verdadeira realeza está nas nossas pequenas ações diárias, aquelas que continuamos fazendo apesar do furacão em nosso interior . Coisinhas que fazemos pelo próximo que achamos irrelevantes, mas que possuem um grande valor, como uma joia rara.
Você é uma história, eu sou uma história...
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